Criatividade e processos de criação

(Estudo para Estamparia, Fayga Ostrower, 1945)

Criar é, basicamente, formar. É poder dar forma a algo novo. O ato criador abrange, portanto, a capacidade de compreender; e esta, por sua vez, a de relacionar, ordenar, configurar, significar.

Nas perguntas que o homem faz ou nas soluções que encontra, ao agir, ao imaginar, ao sonhar, sempre o homem relaciona e forma. Nós nos movemos entre formas. De inúmeros estímulos que recebemos a cada instante, relacionamos alguns e os percebemos em relacionamentos que se tornam ordenações. De certo modo, somos nós o ponto focal de referência, pois ao relacionarmos os fenômenos nós os ligamos entre si e os vinculamos a nós mesmos.

Nos orientamos de acordo com expectativas, desejos, medos, e sobretudo de acordo com atitudes do nosso ser mais íntimo, uma ordenação interior. Em cada ato nosso, no exercê-lo, no compreendê-lo e no compreender-nos dentro dele, transparece a projeção de nossa ordem interior. Constitui uma maneira específica de focalizar e de interpretar os fenômenos, sempre em busca de significados.

Nessa busca de ordenações e de significados reside a profunda motivação humana de criar. O homem cria, não apenas porque quer, ou porque gosta, e sim porque precisa; e ele só pode crescer, enquanto ser humano, coerentemente, ordenando, dando forma, criando. Os processos de criação ocorrem no âmbito da intuição. Embora integrem toda experiência possível do indivíduo, também a racional, trata-se de processos essencialmente intuitivos.

Entende-se que a própria consciência nunca é algo acabado ou definitivo. Ela vai se formando no exercício de si mesma, num desenvolvimento dinâmico em que o homem, procurando sobreviver, e agindo, ao transformar a natureza se transforma também. O homem não somente percebe as transformações como sobretudo nelas se percebe.

Movido por necessidades concretas sempre novas, o potencial criador do homem surge na história como um fator de realização e constante transformação. Ele afeta o mundo físico, a própria condição humana e os contextos culturais. Não antevê apenas certas soluções. Mas significativa ainda é a sua capacidade de antever certos problemas.

Circunstâncias em tudo hipotéticas podem repentinamente ser percebidas interligando-se na imaginação e propondo a solução para um problema concebido. Representariam modos de ação mental a dirigir o agir físico. Em toda criação humana, no entanto, revelam-se certos critérios que foram elaborados pelo indivíduo através de escolhas e alternativas.


Fonte:
Fayga Ostrower, em "Criatividade e Processos de Criação". Editora Vozes, RJ, 1977. 187p.