Árvores e rizomas: bem vindos à Esquizoanálise

Da botânica até a filosofia; Da filosofia até a psicologia; Da psicologia até...?

Gilles Deleuze e Felix Guattari, desenvolveram ao longo de suas obras "Mil Platôs" e "Anti-Édipo" o corpo da esquizoanálise, onde o social entra como ponto de partida do sofrimento psíquico, que (re)subjetiva e castra desejo do homem e eis um ponto chave da esquizoanálise e sua principal diferença frente a psicanalise. O social adentra um campo onde antes imperava o seio familiar, especialmente se tratando do complexo de Édipo.

Destituir o que durante suas obras, D&G chamaram de "primado edipiano" como o caminho para encontrar a origem de vários eventos intrapsíquicos que afetam a mente  e identificar como o capitalismo se dá nesse jogo, daí se origina "capitalismo e esquizofrenia" e a relação do poder do social (capitalismo) em criar, castrar, cercear, proibir, despersonalizar e modificar a bel prazer a subjetividade do homem.

A ideia de desejo na teoria esquizonalítica parte da ação. O desejo deve ser sempre vivido e saciado, e não interpretado, o desejo quer ser experienciado. Somos o que D&G chamaram de maquinas desejantes, que estamos a todo momento criando fluxos e novas ramificações, agenciamentos e atribuindo sentidos, e é nessa síntese de todas essas ações que o desejo se cria, desde o fisiológico com as nossas células lutando para viverem e sobressaindo sobre as que sucumbem até a nossa subjetividade.
"Não há desejo que não corra para um agenciamento. O desejo sempre foi, para mim, se procuro o termo abstrato que corresponde a desejo, diria: é construtivismo. Desejar é construir um agenciamento, construir um conjunto, conjunto de uma saia, de um raio de sol…" (Gilles Deleuze em entrevista à Claire Parnet, 1989)

Durante suas obras, D&G atribuíram ao desejo uma característica que advém emprestada da botânica, o rizoma. Durante um agenciamento rizomático não há começo, meio e nem fim, ele se entrelaça em outros rizomas, cria novas ligações, novas ramificações, e com isso ele apenas cresce. Não há hierarquia no rizoma, por isso, o olhar da esquizoanálise vê o desejo como rizoma
"A questão é produzir inconsciente e, com ele, novos enunciados, outros desejos: o rizoma é esta produção de inconsciente mesmo." (Deleuze e Guattari em 'Mil Platôs Vol. 1')

A vivencia castradora atribuída ao desejo, para D&G, vem de fora, do social, dos agenciamentos e dispositivos que a sociedade implementa através de seus valores e objetivos, a esquizoanálise é uma teoria que se opõe não apenas ao capitalismo, mas a qualquer sistema que subjugue e despersonalize o homem. A esquizoanálise é a filosofia da diferença.

O capitalismo entra como o novo ditador da subjetividade, o homem não precisa mais procurar no seu passado as mazelas do seu presente, não há mais um "papai e mamãe" no fim de toda interpretação do desejo, pois o desejo não deve ser interpretado e sim vivido, e é nessa proibição de vivencia do desejo que age o capitalismo, com suas imposições e proibições.

Ao instaurar no corpo, no individuo, na sociedade, na subjetividade a sua máquina capitalista-produtora, o homem perde a capacidade de rizomatizar, de se fazer existência com outros, suas ramificações se tornam raízes estáticas, ele não se esvai por todos os lados e se reencontra, não há um agenciamento que produza o inconsciente, logo, o desejo também não é alimentado, nem saciado. É nesse apodrecimento da subjetividade que o homem se torna árvore
"Estamos cansados da árvore. Não devemos mais acreditar em árvores, em raízes ou radículas, já sofremos muito. Toda a cultura arborescente é fundada sobre elas, da biologia à lingüística." (Deleuze e Guattari em ‘Mil Platôs Vol.1’)

A produção no capitalismo é a nova voracidade do homem, alienam o desejo e subjetivam outro, um desejo molar. A vivência no Édipo consiste em tentar ressignificar o desejo do adulto, que sempre retorna a criança, invalidando o desejo do adulto, do agora e suas vontades, o desejo é castrador, proibido
"Porque, de fato, desde que nos colocam no Édipo, desde que nos comparam com Édipo, tudo se resolve, suprimindo-se a única relação autêntica que era a de produção. A grande descoberta da psicanálise foi a da produção desejante, a das produções do inconsciente. Mas, com o Édipo, essa descoberta foi logo ocultada por um novo idealismo: substituiu-se o inconsciente como fábrica por um teatro antigo." (Deleuze e Guattari em ‘O Anti-Édipo’)

Todo o primeiro volume do compilado de cinco platôs é em cima da dicotomia do pensamento arborescente (seja ele político-capitalista ou psicanalítico-édipo) e do pensamento rizomático, que por sua vez é livre do primado hierárquico edipiano, castrador e capitalístico.

É preciso se desfazer dos órgãos. Se tornar um corpo sem órgão(CsO) é a maneira esquizoanalítica de não se deixar ser interpretado, não se tornar árvore e sim de desejar, de estar frente as possibilidades, se ramificar e andar por seus axônios, o homem é devir; Não se deve procurar interpretar nem subjetivar e sim viver e experienciar.
"Pare, reencontre o seu eu, seria preciso dizer: vamos mais longe, não encontramos ainda nosso CsO, não desfizemos ainda suficientemente nosso eu. Substituir a anamnese pelo esquecimento, a interpretação pela experimentação. Encontre seu corpo sem órgãos, saiba fazê-lo, é uma questão de vida ou de morte, de juventude e de velhice, de tristeza e de alegria. É aí que tudo se decide." (Deleuze e Guattari em 'Mil Platôs Vol.3')

Texto por João Felipe.