Psicologia: uma (nova) introdução


O livro 'Psicologia: uma (nova) introdução', escrito por Luiz Figueiredo e Pedro Santi, traça um panorama sobre o desenvolvimento da psicologia enquanto ciência, citando as condições históricas e subjetivas que possibilitaram seu desenvolvimento, entre elas o aparecimento da subjetividade privatizada e sua crise.

O estudo da psicologia se inicia desde a Antiguidade. Na Grécia Antiga, os filósofos tratavam sobre temas e conceitos como a psique, o comportamento, o "espírito" ou a "alma". Porém, a Psicologia enquanto ciência, como hoje entendemos, é uma invenção muito recente, e foi ainda mais recentemente que começaram a ser elaboradas as primeiras teorias de psicologia.

A experiência da subjetividade privatizada refere-se ao fato de termos experiências íntimas e que ninguém tem acesso a elas. Podemos ficar um longo tempo pensando se vamos ou não fazer uma coisa, quase decidir pela primeira e, no final, acabar fazendo a outra, sem que ninguém fique sabendo de nossas dúvidas pessoais. Muitas vezes sentimos alegrias e tristezas intensas e nem sempre comunicamos esses sentimentos, mantemos a nossa subjetividade de modo privado. Essa subjetividade privada é uma experiência muito recente no decorrer da história da humanidade.

As formas de pensarmos e sentirmos a nossa existência não são universais. A experiência de sermos sujeitos capazes de decisões e de perceber nossos sentimentos e emoções, só se desenvolveu, se aprofundou e se difundiu amplamente numa sociedade com determinadas características. Em momentos de crise social, quando uma tradição cultural, valores, normas ou costumes é contestada, surgem novas formas possíveis de vida. Em situações como estas, as pessoas precisam tomar decisões para as quais não conseguem apoio na sociedade, buscam então novas referências ou o encontro de seus próprios seus valores.

Quando há uma desagregação das velhas tradições e proliferação de novas alternativas, cada pessoa recorre com maior constância ao seu íntimo e aos seus sentimentos, que nem sempre condizem com o sentimento geral, buscando em si mesma os critérios do que é certo e do que é errado, bom ou ruim. Com isso, surge uma nova experiência da subjetividade privatizada, o questionamento de si mesmo, sobre: quem sou eu, como me sinto, o que desejo, o que considero justo e adequado? As pessoas percebem que podem tomar suas próprias decisões e que são responsáveis por elas.

No final do século XVIII se inicia um movimento artístico, o Romantismo, que passa a olhar para o ser humano como um ser emotivo e sensível. Trata-se de uma crítica ao Iluminismo e o exacerbado racionalismo, que acreditava o homem era essencialmente racional, ou um ser meramente pensante. Deste modo, o Romantismo passou a evidenciar a potência dos impulsos e forças naturais. A razão passa a ser questionada, o “eu” racional e metódico é visto como uma superfície mais ou menos ilusória que encobre algo muito mais profundo e obscuro.

As pinturas de Turner trazem tempestades no mar, onde mal se definem os limites entre céu, mar, chuva e neblina. Em alguns casos aparece um barco totalmente à mercê das forças naturais. O barco representa a tentativa humana impotente do controle racional e metódico do mundo.

O Romantismo representa um momento essencial na crise do sujeito moderno pela destituição do “eu”, de seu lugar privilegiado de senhor, de soberano e racional, que controla tudo e a si mesmo. Esse movimento promove a reflexão de que o ser humano possui níveis de profundidade que ele mesmo desconhece, passando a valorizar a sua individualidade, a intimidade e liberdade de ser. Segundo o Romantismo, cada ser é diferente, e os grandes e intensos sentimentos podem reunir os homens, apesar de suas diferenças.

Durante o século XIX, o “eu” foi questionado de seu lugar privilegiado e soberano, por diversos autores. Passa-se a ter uma ideia de que os modos de ser e de se comportar de cada pessoa são determinados por condições que nem sempre o sujeito percebe ou pode controlar. Porém, o ponto mais profundo dessa crise foi a filosofia de Nietzsche, para ele as ideias de “eu” ou “sujeito” são tidas como meras ficções. Seu procedimento genealógico, busca questionar e desconstruir os fundamentos de todas as bases da filosofia ocidental, desde Platão.

Nietzsche mostrou como cada elemento, tomado como fundamento absoluto ou causa primeira de tudo o que existe, foi criado num determinado momento com uma determinada finalidade. E, se foi criado por pessoas num certo tempo e com uma certa intenção, então não pode ser eterno nem causa primeira. Com isso, a “ideia” platônica de Deus e o sujeito moderno são tidos como criações humanas. Não só o homem é retirado da posição de centro do mundo, como a própria ideia de que o mundo tenha um centro ou uma unidade é destruída.

A suspeita de que a liberdade e a singularidade dos indivíduos são ilusórias, que emerge com o declínio das crenças liberais e românticas, abre espaço, finalmente, para os projetos de previsão e controle científicos do comportamento individual. Este será um dos principais objetivos da psicologia como ciência a serviço das Disciplinas.

As ciências naturais, tal como as conhecemos hoje, são modos muito recentes de produção de conhecimento. Foi apenas a partir do século XVI que foram criados os atuais modelos de ciência da natureza. A ciência moderna está baseada na suposição de que o homem é o senhor superior, que tem o poder e o direito de colocar a natureza a seu serviço, controlando ela e a si mesmo. Os procedimentos científicos exigem que os cientistas sejam capazes de “objetividade”, que deixem de lado seus pontos de vista e seus sentimentos para obterem um conhecimento “verdadeiro”.

Os estudos psicológicos científicos começaram e se desenvolveram marcados por essa busca de conhecer e dominar a subjetividade, reduzir ou mesmo eliminar as diferenças individuais, de forma a garantir a “objetividade” científica, ou seja, a validade dos achados e das descobertas, além de sua possível generalização. Muitos psicólogos repudiam essa meta de conhecer para dominar a subjetividade e os indivíduos e afirmam, ao contrário, que o que interessa é conhecer esses aspectos profundos e poderosos do “eu” para dar voz e expandir cada pessoa, para nos tornar mais fortes e livres, ao invés de racionados e controlados.

Para Wündt, o objeto de estudo da psicologia é a experiência imediata dos sujeitos. Experiência imediata é a experiência tal como o sujeito a vivencia antes de pensar sobre ela, antes de comunicá-la, antes de “conhecê-la”. É, em outras palavras, a experiência tal como se dá. Contudo, Wündt não reduz a tarefa da psicologia apenas à descrição dessa experiência subjetiva. Ele passa a pesquisar os processos elementares da experiência mental, aqueles que são mais fortemente determinados pelas condições físicas do ambiente e pelas condições fisiológicas dos organismos.

O método experimental é um procedimento realizado em situações controladas de laboratório, onde Wündt procurava analisar os elementos da experiência imediata e as formas mais simples de combinação desses elementos.

Titchener concebe o sujeito como um puro organismo, um sistema nervoso. Ele não nega a existência da mente, mas esta perde sua autonomia. Segundo ele, o fisiológico explica o mental, entendendo que tudo o que vier a acontecer na mente pode ser explicado por meio do estudo do sistema nervoso.

Os psicólogos funcionalistas definem a psicologia como uma ciência biológica interessada em estudar os processos, operações e atos mentais como formas de interação adaptativa. Partem do pressuposto da biologia evolutiva. Para eles, os seres vivos e os animais sobrevivem se possuem as características orgânicas e comportamentais adequadas a sua adaptação ao ambiente. As operações e processos mentais, segundo eles, seriam instrumentos de adaptação e se expressariam nos comportamentos adaptados.

Iniciado pelo psicólogo americano J. B. Watson (1878-1958), o comportamentalismo tem como objeto de estudo o próprio comportamento e suas interações com o ambiente. Seu método de estudo é a observação e experimentação metódica de comportamentos observáveis e evitando a auto-observação. Foi com o comportamentalismo que, pela primeira vez, os estudos psicológicos deixaram de lado a experiência imediata. Tudo aquilo que fazia parte da experiência subjetiva individualizada deixa de ter lugar na ciência, pois não era acessível para os métodos objetivos da ciência.

O “sujeito” do comportamento, não é mais um sujeito que sente, pensa, decide, deseja e é responsável por seus atos, mas apenas um organismo fisiológico que se assemelha a qualquer outro animal. Por entender o ser humano como um animal, essa forma estudar a psicologia dedica sua maior atenção aos estudos com seres não humanos, como ratos, pombos e macacos, entre outros. Watson não tem o menor interesse na “vivência” do sujeito, em sua experiência interna, seu foco é exclusivamente o comportamento observável, com o objetivo muito prático de prevê-lo e controlá-lo de forma mais eficaz.

O psicólogo B. E. Skinner (1904-1990) buscou compreender a gênese e a natureza da subjetividade, das sensações e dos pensamentos. Ele investigou as condições que a vida subjetiva se desenvolvia, e encontrou como resposta as relações sociais. Segundo ele, é na convivência social que se aprende a falar e se relacionar, essas capacidades são aprendidas na convivência com os outros. Deste modo, o mundo privado de cada um é uma construção social. Tudo o que uma pessoa sente, entende, pensa ou deseja depende da maneira como a sociedade a ensinou a fazer.

Os psicólogos gestaltistas Wetheimer (1880-1943); Koffka (1886-1941) e Kohler (1887-1967) partiam da experiência imediata e adotavam, como procedimento para captação da experiência tal como se dava ao sujeito, o método fenomenológico. Esse método consiste na descrição ingênua dos fenômenos tais como aparecem na consciência, antes de qualquer reflexão, racionalização, ou de qualquer tentativa de análise.

Os gestaltistas descobriram que todos os fenômenos da percepção, da memória, da solução de problemas e da afetividade eram vividos pelo sujeito sob a forma de estruturas, isto é, sob a forma de relações entre partes que faziam com que a forma resultante fosse mais que a mera soma das suas partes. Para eles o conceito de “gestalt” permite unificar todas as ciências físicas, biológicas e da cultura, de forma que a psicologia não precisa repartir-se entre elas para existir, olhando para o todos, e não somente para as partes.

Freud, enquanto médico neurologista, recebia pacientes histéricos, com sintomas de paralisia e anestesia que não correspondiam ao mapeamento nervoso ou muscular do corpo. Ele não encontrou instrumental médico-científico para lidar com o sofrimento deles. Tendo que lidar com o sofrimento desses pacientes, Freud chegou à compreensão de que a “lesão” de que se tratava na histeria não incidia sobre um nervo, mas sobre a ideia relativa à determinada parte do corpo. Ele relacionou um evento corporal, a histeria, ao universo representativo da pessoa.

Os sintomas histéricos passaram a ser entendidos como resultado de uma dinâmica psíquica composta por conflito, repressão e retorno do conteúdo reprimido. O sintoma expressa a ideia de que o sentido daquilo que está oculto: dizer que algo é sintoma é dizer que seu sentido não reside em si, mas ele representa outra coisa invisível diretamente. Freud define o inconsciente como o objeto da psicanálise. Entrando em contato com as experiências subjetivas individualizadas de inúmeros pacientes que se queixam de diversos tipos de sofrimento.

Na tentativa de compreender o que dizem, Freud constata que as palavras e os sintomas de seus pacientes contêm significados que eles mesmos não conhecem. Ele passa então a desenvolver um método para interpretar esse sentido oculto e pede aos pacientes que lhe contem tudo sem censura alguma, de modo a despontar os sentidos ocultos. Freud começa a desenvolver uma teoria sobre a psique e o desenvolvimento psicológico que vai além do “psicológico” e do “vivido”, pois corresponde ao que é experimentado em nível inconsciente.

Enfim, a psicologia segue hoje, como desde o início, dividida entre diferentes linhas de pensamento e abordagens terapêuticas. Enquanto o psicólogo do trabalho ou das organizações serve à indústria ou a qualquer outra instituição, procurando torná-la mais eficiente, e, enquanto o psicólogo escolar serve ao sistema educacional, procurando torná-lo, também, mais eficaz, o psicólogo clínico costuma estar a serviço do indivíduo ou de pequenos grupos de indivíduos, para seu melhoramento emocional, seu autoconhecimento e desenvolvimento pessoal.


Referência:
FIGUEIREDO, Luís Cláudio Mendonça; SANTI, Pedro Luiz Ribeiro de. Psicologia, Uma (nova) Introdução. Editora: Educ, 2008