Existência humana segundo o existencialismo


Segundo a vertente existencialista, a existência humana é entendida como uma condição e não como uma natureza. O termo "natureza humana" se refere a algo que é igual para todos. Já a "condição humana" reconhece que nosso modo de ser envolve diversas circunstâncias que experimentamos em nossa existência.

Essas circunstâncias dependem de muitos fatores, entre eles o espaço, o momento histórico, os costumes, as relações, o clima, as escolhas de cada um, entre outros. E são vivenciadas de maneiras diferentes por cada indivíduo. Para o existencialismo, o ser que existe é caracterizado por ser singular, concreto, indeterminado, afetivo, histórico, temporal e livre para fazer escolhas.

Comentarei abaixo um pouco sobre cada uma dessas características:

Singular

Ser singular significa que não somos uma massa ou uma multidão, mas que cada pessoa é uma, e possui características particulares que a caracterizam do modo como é, e que se diferencia das outras.

Deste modo, entende-se que cada indivíduo possui suas singularidades e particularidades, ao invés de buscar generalizar a pessoa em concepções já prontas e prévias. A concepção de 'ser singular' é uma oposição à concepção de 'ser genérico ou universal'.

Concreto

Ser concreto significa que vivemos concretamente no mundo, que não somos uma idealização ou uma abstração, mas cada pessoa vive materialmente no mundo.

Na filosofia de Martin Heidegger (1889-1976), o ser existente é chamado de Dasein, que corresponde ao “ser-no-mundo”, ou ao “ser-aí”, que se faz e se transforma numa relação concreta e permanente com o mundo e com os outros seres, em oposição a uma ideia de ser abstrata, espiritualista ou ideal, que não se transforma perante suas experiências.

Indeterminado

A famosa frase de Jean-Paul Sartre (1905-1980), “a existência precede a essência”, já deixa claro que nossa existência não é definida por nossa essência, e que, pelo contrário, a nossa “essência” é resultante de nossa existência.

Isso significa que não somos determinados por um Deus, por uma natureza ou por um inconsciente, pois nos fazemos a cada instante. Se nos fazemos a todo instante, somos seres indeterminados. Esta concepção contraria o determinismo psicológico e o essencialismo.

Devir

A existência humana é um constante devir, um vir-a-ser, que corresponde sempre a uma possibilidade de ser ou de não ser, ao invés da ideia de um ser previsível, estático e imutável.

Estamos nos transformando a todo momento, o modo como somos hoje é diferente do modo como fomos há 10 ou 20 anos, inclusive também não seremos os mesmos em 10 ou 20 anos no futuro. Como já dizia o filósofo pré-socrático Heráclito de Éfeso, não há nada de permanente a não ser a mudança.

Afetivo

Não somos apenas seres racionais, mas também nos emocionamos com as experiências que vivenciamos. Atravessamos situações na vida que alteram nossos sentimentos e afetos, nos tornando mais alegres ou mais tristes, mais dispostos ou indispostos.

Somos seres afetivos e pré-reflexivos, pois nos afetamos pelas situações e pelas relações que estabelecemos com as outras pessoas. Não somos seres meramente racionais e "neutros".

Histórico

Toda pessoa é um ser histórico, ou seja, se altera por conta do período histórico e local onde vive. Seus valores e condições onde experimenta sua existência estão envolvidas por condições históricas.

Cada indivíduo se desenvolve num tempo e local, onde há uma série de concepções e valores já colocados: o que é certo e o que é errado, o que é bom e o que é ruim, o que é justo e o que é injusto, adequado e inadequado, belo e feio, correto incorreto, etc. Esses valores constituem também os nossos valores, porém, ao mesmo tempo que somos alterados por nossa história, nós também a alteramos.

Livre

Apesar de sermos constituídos, em parte, pelas condições históricas e sociais do local onde vivemos, também somos livres para fazer diferentes escolhas, de modo que criamos e alteramos novos valores, definindo para nós mesmos e para os outros o que nos faz bem ou o que não nos faz.

Não somos seres meramente passivos, que recebemos uma forma de ser e apenas a reproduzimos, mas somos seres ativos em nossa existência. Recebemos valores e os ajustamos de acordo com nossa experiência subjetiva. O ser humano é caracterizado como um ser que cria, diferente de todos os outros animais, que apenas reproduzem suas condições naturais inatas.

Temporal

O ser humano é a síntese de seu passado, presente e futuro, que acontecem simultaneamente no presente. Cada um leva consigo seu passado, que apesar de não poder ser alterado, pode ser ressignificado, projetando para fora de si o seu futuro, que começa a ser desenhado no momento presente.

Deste modo, cada pessoa vive simultaneamente seu passado, presente e futuro. O passado orienta seu presente, ao mesmo tempo que a pessoa altera seu presente para se projetar ao futuro.

Sem sentido

Na concepção existencialista a vida não possui um sentido prévio, somos nós que atribuímos sentidos a ela. Essa constatação é descrita por filósofos como Friedrich Nietzsche (1844-1900), que comenta sobre o niilismo passivo e ativo, e Albert Camus (1913-1960), que trata sobre o absurdo da existência.

O niilismo é a constatação de que não há um sentido para a existência humana, que defina como devemos viver a vida. O niilismo passivo consiste em aceitar um sentido qualquer de maneira passiva, como refúgio do desespero diante da falta de sentido. O niilismo ativo consiste em perceber que, não havendo um sentido para a vida, podemos criar e atribuir sentidos de maneira ativa a ela.

Em relação

Nenhum ser humano vive sozinho no mundo, todos dependemos de outras pessoas para viver, num momento ou outro de nossa vida. Isso não nos impede de sentir solidão, mas trata-se de uma necessidade humana.

O ser humano depende, desde seu nascimento, do cuidado e apoio de outras pessoas para que possa se desenvolver, até atingir a maturidade esse processo pode levar um bom tempo. A convivência com o outro é uma necessidade, porém há sempre a possibilidade de escolher com quem deseja conviver, pois a convivência é sinônimo de conflitos.


Por Bruno Carrasco, terapeuta, professor e pesquisador, graduado em Psicologia, licenciado em Filosofia e Pedagogia, pós-graduado em Ensino de Filosofia, Psicoterapia Fenomenológico Existencial e Aconselhamento Filosófico. Nos últimos anos se dedica a pesquisar sobre filosofia da diferença e psicologia crítica.