Existencialismo - Jacques Colette


Um dos principais movimentos filosóficos do século XX, o existencialismo teve maior impacto na literatura e nas artes do que qualquer outra escola de pensamento. Mais do que uma crônica filosófica dos anos 1930-1950, este livro mostra as principais linhas do ideário existencialista em torno das noções de realidade, liberdades individuais e subjetividade, perpassando o pensamento daqueles que mais influenciaram o movimento: Kierkegaard, Husserl, Jaspers, Marcel, Heidegger, Sartre, Merleau-Ponty e Camus. O existencialismo não pode ser visto apenas como uma corrente filosófica, já que passou para a história como um movimento intelectual intimamente marcado pelas consequências de duas guerras mundiais, legando à humanidade novos modos de escrita, de comunicação e de inserção na sociedade.

Alguns fragmentos do livro:

Durante as décadas de 1930 a 1950, o existencialismo parece designar um clima de pensamento, uma corrente literária vinda da Europa do Norte, dos países eslavos ou germânicos. Um de seus traços principais seria a percepção do sentido do absurdo juntamente com a do sentimento trágico da vida. A experiência de uma humanidade entregue às violências mortíferas, às monstruosidades de uma guerra particularmente bárbara teria exigido dos artistas, dos escritores e dos filósofos novas inflexões, capazes de repor em questão o exercício de uma liberdade ainda a conquistar.

Em sua Introdução aos existencialismos (1947), E. Mounier explicava: “A história do pensamento é pontuada por uma série de despertares existencialistas”, o primeiro sendo o apelo de Sócrates: “Conhece-te a ti mesmo”. De fato, pode-se dizer que nenhum filósofo deixou de falar do homem em sua essência e existência, alma e corpo, ou mesmo do homem “medida de todas as coisas”. Mas, se quisermos levar em consideração as questões filosóficas de uma problemática coerente quanto à idade e às conotações dos conceitos, convém, no caso do existencialismo, atermo-nos ao pensamento moderno e contemporâneo dito pós-idealista à época que sucedeu à construção dos grandes sistemas alemães do idealismo especulativo. Na verdade, é na língua dinamarquesa, em Kierkegaard, que o conceito de existencial aparece como determinando o pensamento da subjetividade, a qual não é mais entendida como o eram o Eu de Montaigne, o ego de Descartes, o eu penso da apercepção transcendental em Kant ou, enfim, em Hegel, como o resíduo de unilateralidade não assumido no espírito, que é ao mesmo tempo substância e sujeito.

Diferentemente dos sistemas de pensamento nos quais sempre se traduziu o espírito filosófico, as filosofias da existência não queriam nem podiam se transmitir como doutrinas bem estabelecidas.

Mais significativa para o contexto do “existencialismo” é a presença de Kierkegaard na Psicopatologia geral, de K. Jaspers (1913), presença associada com insistência à de Nietzsche, sobretudo na reedição de 1946. A referência aos dois pensadores de exceção é decisiva na Psicologia das visões do mundo (1919), obra imediata e longamente comentada por Heidegger.

O filósofo via-se assim reconduzido ao campo da vida cotidiana, fluente, arriscado e conflitivo. Os domínios da política, da arte e da religião, cujo sentido sempre foi investigado pela filosofia desde os gregos, passavam a ser, sob novos auspícios, o lugar de confrontos inéditos, porque se empreendia descrever seus horizontes partindo da análise da existência humana para reconduzir a ela.

O existente existe no sentido de ex-sistere, aquilo que o fundou preexiste a ele e permanece além, sem que se possa articular definitivamente o que funda e o que é fundado. No tempo real, a disjunção nunca é superada, a existência é vida do instante.

O duplo movimento (infinito/finito), assim como a comunicação (apropriação interiorizante/desapropriação exteriorizante), tem a ver com aquele ritmo discordante evocado também pela ideia kierkegaardiana da reduplicação. O redobrar do pensamento aqui exigido significa a passagem do pensamento à ação, da dialética das ideias à vida, mas também da reflexão primeira que, tendo atingido a palavra justa, sabe que tudo resta por fazer, ou seja, passar da expressão correta ao modo de comunicação que traduza a relação exata do existente (locutor ou escritor) com a ideia. Essa reflexão segunda só é exigida na ordem do existencial.

A herança teológico-filosófica, tal como fora assumida pelo idealismo, é aqui abandonada em nome da intuição, na qual poderiam se conjugar a liberdade do espírito e a realidade empírica dita existencial.

O pensamento de Marcel vai se desenvolver, então, primeiro, denunciando as armadilhas e as facilidades da reflexão primária que, centrada no verificável, não pode chegar à intensidade do existencial (corporeidade, relação com o outro homem). Depois, propõe a ideia de uma reflexão segunda que dê acesso ao metaproblemático, ao mistério e, de certo modo, ao eterno, em virtude de uma fidelidade criadora que ignora a fragmentação do tempo. Os temas cristãos da fé e da esperança reaparecem no campo filosófico numa espécie de contestação da posse intuitiva.

Ao contrário do cogito, que garante o que é válido, o credo conduz ao espírito e não mais ao sujeito pensante. A imediatidade não-relativa, expressão concreta do esquema metafísico da participação, é a experiência ou o sentir fundamental que sempre já aconteceu quando, pelo pensamento, eu me torno sujeito. A reflexão segunda será a atenção dada a essa antecedência, que não é outra coisa senão minha participação no mistério do ser.

A ruptura com o regime da objetividade e do problemático é o avesso, abstratamente designado, daquilo que só se pode dar a ver por numerosas análises existenciais concretas.

O homem ouve o chamado que o abre à indeterminação de uma possibilidade absoluta. Assim reconduzida à sua essência de possibilidade, a existência pode livremente conjurar a transcendência oculta, isto é, despojada dos nomes que lhe dão as religiões ou as especulações filosóficas.

A orientação no mundo não pode oferecer nenhuma orientação unívoca, cientificamente determinável, à existência. Virtual, a existência é possibilidade permanente: aberta sobre o abismo de uma verdade plural, ela é tomada de vertigem. Somente a relação com a transcendência pode arrancá-la dessa vertigem.

Em seu devir, a existência virtual faz a experiência das situações-limite (morte, sofrimento, combate, culpabilidade), situações que toda vida enfrenta, modalidades diversas da provação, do inevitável fracasso contra o qual se choca a existência obrigada a transcender sua situação. Mas essas situações, precisamente enquanto limites, dão à existência virtual (e não à consciência em geral) um impulso de vida que a lança a um mais-além.

A hermenêutica da existência, a compreensão das possibilidades do ente que somos, substituiu portanto a constituição das objetidades, ainda que esta fosse entendida como explicitação. O que essa hermenêutica deve explicitar (o termo é conservado) não é mais os atos de apreensão da consciência, mas as possibilidades concretas do existir (o que faz pensar nas “virtualidades” de que fala Jaspers). Heidegger descreverá assim a existência que mergulha no tédio quando está às voltas somente com o mundo das coisas dadas.

A analítica existencial deve tomar suas distâncias tanto em relação às representações simbólicas, míticas ou religiosas, quanto em relação às explicações psicológicas da atividade intramundana.

É existencial o propósito de descrever o aparecer desse acontecimento, é existencial proceder a uma exhibitio originaria que decorre, fenomenologicamente, da experiência de uma exigência. O que é exigido do homem concreto é ser-aí, não para fazer isso ou aquilo, mas para chegar à sua mais íntima liberdade.

A fenomenologia husserliana haveria de dar uma significação filosófica essencial à corporeidade.

Husserl e depois Merleau-Ponty sublinharam o caráter determinante do sentir, do estado de indistinção do sujeito e do objeto naqueles acontecimentos próprios da carne nos quais se dissolve a oposição do interior e do exterior.

Marcel não deixará de atacar o processo de tecnocratização desumanizante do mundo, no qual a dimensão dominante é a do puro ter que não se pode transformar em ser. A relação técnica puramente instrumental com o mundo é tão empobrecedora quanto a redução do corpo à função de órgão.

Solidão e união significam igualmente uma certa dureza do Si e uma distância sempre a desaparecer e a renascer. A comunicação só rompe a solidão ao possibilitar, precisamente a partir daí, uma nova e possivelmente mais original relação. É no esforço que faz a existência para atingir a certeza de ser ela mesma que se introduz mais insidiosamente a possibilidade do desespero. Querer ser livre para si só é cair numa das duas formas de desespero analisadas por Kierkegaard: querer desesperadamente ser si-mesmo, ou querer desesperadamente não ser si-mesmo.

Em Heidegger, a ontologia fundamental separa desde o início a existência própria ou autêntica da cotidianidade média, da vida ordinária regida pela impessoalidade do a gente, fazendo essa existência contrastar com o nivelamento em que tudo geralmente é partilhado por todos. À neutralidade do a gente ou dos outros, na qual o ser-aí pode se dissolver, à dispersão na mediocridade cotidiana (assim existencialmente caracterizada, o que não significa moralmente julgada), o Si-mesmo se arranca no que ele tem de próprio, mas também como ser-com preocupado com o outro.

A liberdade não consiste de modo algum na escolha intemporal de um caráter inteligível, ela é vivida como um arrancar-se do seu passado, no instante, na situação sempre renovada em direção a um futuro imprevisto portador de angústia.

O único limite com o qual pode se deparar a liberdade vem da relação com outrem.

O conceito de angústia não pôde deixar de aparecer mais de uma vez no que precede, e primeiramente em razão da significação nova que lhe deram, no século XIX, Schelling e Kierkegaard, cuja obra O conceito de angústia (1844) chamou particularmente a atenção dos filósofos da existência.

Essa angústia se diferencia tanto do medo provocado por algum acontecimento intramundano quanto do temor de um aquém ou de um além deste mundo.

A angústia não é o medo, nela se exprime a liberdade como possibilidade de poder.

O motivo da angústia reaparece em Heidegger com uma significação bem diferente, pois ela se torna o que permite ao homem fazer a prova do nada que manifesta sua essência como Ser.

Essa angústia existencial, que se preocupa apenas consigo mesma, é a da existência orientada pela relação com a transcendência.


Fonte:
COLETTE, Jacques. Existencialismo, Porto Alegre: L&PM, 2009.